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O drama das mães que esperam volta de visitas a presos após dois anos

DGAP-GO anunciou retomada de visitação em presídios, mas famílias relatam dificuldade de acesso e falta de informação durante a pandemia


A quarentena causada pelo novo coronavírus isolou a população mundial de forma inédita, trazendo consequências e novos comportamentos, até então, impensáveis para a sociedade moderna. Uma parcela das pessoas talvez tenha sido submetida a uma provação maior: presos e seus familiares, que tiveram um isolamento ainda mais forçado com a restrição de visitas por praticamente dois anos.

A Diretoria-Geral de Administração Penal de Goiás (DGAP-GO) anunciou recentemente que retornará com as visitas de familiares aos presos do sistema penitenciário goiano de forma gradual. Serão três modalidades de visitação presencial: em parlatórios, em espaços lúdicos e em convívio familiar, além do virtual. Para isso, o órgão fará um recadastramento para os familiares que quiserem ter acesso às visitas.

Enquanto esse momento não chega, relatos ouvidos em condição de anonimato pelo Metrópoles, apontam para uma realidade dura de preocupação, medo, fome, falta de informação e dificuldade diante da impossibilidade das visitas ao longo da pandemia.


Dificuldades

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Em Goiás, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), são mais de 21 mil pessoas privadas de liberdade e que passaram sem o suporte familiar por todo o período pandêmico.


A falta de informações dos familiares, além da falta de esperança na “desburocratização” das visitas, tornam a situação das pessoas próximas aos detentos ainda mais dramática e delicada. Ao portal, uma mulher de 47 anos, mãe de um jovem detento, de 21, contou que está há mais de dois anos sem encostar no filho, além de não conseguir levar a “cobal”, kit com alimentos e produtos de higiene, como era feito anteriormente.

“Tem dois anos que eu não dou um abraço no meu filho, não encosto nele. No dia da visita, a única coisa que eu consigo entregar para ele são 4 kg de bolacha, sabão em pó, água sanitária e roupa. As visitas, infelizmente, não voltaram ao normal, como meu filho está em um presídio estadual, chamado de RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), é ainda mais difícil o acesso. Ele está detido há 2 anos e 4 meses, e durante mais de dois anos eu não tive nenhuma notícia sobre ele”, afirma ela.

A mulher alega que a pandemia já “acabou” em outros espaços do estado, menos nos presídios. “As pessoas estão vivendo como se a pandemia já tivesse acabado. Por que eu não posso dar um abraço no meu filho? Lá, as condições são precárias em tudo. Eles passam fome, passam frio, ficam amontoados”, lamenta ela. E acrescenta: “É uma tortura”.


Esforços

Segundo a mulher, além de não ter notícias sobre as condições de saúde do filho, soube que ele havia sido transferido de cidade durante o período da pandemia, sem qualquer aviso prévio. “Eu descobri que ele tinha sido transferido, quando puxei a senha dele no sistema. Fui buscar informações na penitenciária e sequer fui atendida. Ele foi para uma cidade distante e, embora os produtos da cobal sejam poucos, isso gera custo, além da viagem, é muito difícil para as famílias”, diz.

O filho foi transferido para uma cidade distante 300 km de onde ele estava recolhido anteriormente.

Um grupo de quatro mães se junta para dividir um transporte por aplicativo no valor de R$ 800, para sair de um município para o outro durante a madrugada, levando os produtos permitidos, já que parem irem de ônibus, também haveria o custo com a hospedagem, o que seria inviável diante da situação de escassez financeira.


Ela conta ainda que as visitas são marcadas por e-mail, no entanto, o dia e o horário são definidos pela DGAP, sem possibilidade de troca ou escolha dos familiares.


“Antes da pandemia, a gente podia entrar às 7h, eu visitava ele normal, levava almoço, alimentação toda, roupa. Com a pandemia, tudo foi cortado. Eles falavam ‘qualquer problema que tiver, a gente informa a família’, mas nunca sabíamos de nada. Eles [sistema prisional] tratam a gente como se a gente fosse bandida, pessoas más. Eles [presos] já estão pagando pelo que fizeram, mas não só eles, como as famílias continuam sendo punidas”, reforça a mãe.

“Há cerca de quatro meses, a DGAP liberou as visitas de parlatório, que são 15 minutos, pelo vidro, sem contato físico nenhum. Saímos de madrugada, para passar alguns minutos com os nossos filhos, mas a gente não consegue entender o que eles falam, eles vêm algemados, é uma tristeza para uma mãe ver o filho daquela forma, uma humilhação. Eu vou chorando e volto chorando”, conta a mulher, que descreve a situação como um grande desgaste emocional.


Filho único

Mãe de um único jovem, de 23 anos, outra mulher contou que no próximo mês de julho faz dois anos que não encontra o filho pessoalmente. “É muito triste. Já passou o dia das mães, o aniversário e eu não pude dar um abraço nele. Eu não consegui ver ele durante dois anos, só quem passa por uma situação dessa é que sabe como é”, conta.


“Quando meu filho foi preso, ele ficou inicialmente em outro município, onde eu consegui visitá-lo duas vezes, visitas de 30 min, na modalidade parlatório também. Depois, ele foi transferido e nunca mais consegui chegar perto do meu filho. Só consegui ter notícias do meu filho, quando paguei um advogado para ir lá. Graças a Deus, ele não teve nenhum problema de saúde, mas a situação lá dentro é crítica”, relata a mulher, que reclama da falta de informações.


Aos 45 anos, ela conta que o filho “pegou” 20 anos de prisão, e que o sentimento de tristeza é agonizante. “Só uma mãe para saber o que é um coração partido diante desta situação. É muita saudade. Você vai comer uma comida e pensa que seu filho não come direito, não tem uma roupa. Eu não queria nada, além de dar um abraço no meu filho, compartilhar um momento com ele, mas tudo isso é tirado da gente, não consigo entregar a cobal direito”, declara.


Reforçando a ideia do preconceito sofrido pelos familiares, a mulher afirma que o tratamento é complicado. Segundo ela, a visita e as informações não são pedidos extraordinários, mas sim direitos. “Só de ter um parente ali, a gente já é descriminado. Eles [sistema prisional] falam que família de preso é bandido também. Eles não sabem o que tem por trás, é muito julgamento. Eu quero o que é de direito, nada além”.


Amor de mãe

Apesar dos entraves e dificuldades, a unanimidade entre as mães é o sacrifício e a superação de obstáculos em prol dos filhos. “A gente faz o esforço que for, a gente se vira, se desdobra. Da última vez que eu vi meu filho, em janeiro, pelo parlatório, meu filho tinha emagrecido uns 20 quilos. Eles passam fome. Eu não tenho palavra para explicar o sentimento de uma mãe de ver o filho nessa situação”, afirma uma delas.


“Quando ele sair, eu espero só em Deus, porque não existe ressocialização nos presídios de Goiás. Não tem um trabalho, não tem um livro, não tem energia, eles não têm acesso à nada, nem bíblia eles deixam entrar. Eu espero é em Deus, se for esperar pelo Estado ou ele sai transformado, ou sai pior do que entrou”, completa a mulher.


A outra é categórica em dizer que o filho tem que cumprir pelo que fez. “Eu como mãe, penso que ele tem que cumprir a pena dele, mas com dignidade. Eu tenho a esperança que ele saia de lá e mude de vida, construa uma família, que possa me dar netos. Ele é meu filho único, uma pessoa de bem. Nenhuma mãe pensa ter um filho numa situação dessa. Quero que ele tenha a oportunidade de arrumar um emprego, se refazer. A gente enfrenta qualquer coisa por eles”, diz.


A DGAP informou que serão oportunizados aos presos o direito de até três visitas por mês de familiares, divididas nas quatro modalidades (três presenciais e virtual). De acordo com o órgão, as modalidades parlatório e virtual já foram implementadas em boa parte das unidades prisionais do Estado. No parlatório, o tempo de interação máxima com o detento é de 30 minutos; no virtual, até 20 minutos. Já as mães afirmam que, até o momento, não conseguiram concluir o recadastro.


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Fonte: metropoles.

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