Time de futebol, que já tem até lista de espera, tem como objetivo a disputa de campeonatos, além de mais visibilidade às pessoas trans
Em um grupo com mais de 20 homens transexuais (pessoas que foram designadas mulher ao nascer, mas que se identificam como homem) reunidos em um espaço esportivo, a história comum entre eles é: a paixão pelo futebol e a dificuldade em praticá-lo. O esporte pode ser democrático em vários níveis, mas ainda há dificuldades para quem enfrenta diariamente o preconceito de gênero.
Apesar dos obstáculos, a resiliência e a intenção de aumentar a visibilidade em relação à pauta trans em busca de espaço, reconhecimento e dignidade move o Transliga — primeiro time de futebol trans do Centro-Oeste, formado na capital goiana. O primeiro encontro ocorreu em 7 de julho em um complexo de quadras de futebol society.
Convocados por meio das redes sociais para a formação da equipe, quase todos relatam a mesma experiência: em algum momento da vida, foram impedidos de jogar em times de homens, assim como em times femininos, especialmente, em razão da hormonização (intervenção de saúde utilizada como estratégia para pessoas trans se expressarem e serem reconhecidas pela sociedade dentro dos limites do gênero com o qual se identificam ou com o qual preferem ser reconhecidos); por isso, procuravam uma categoria em que pudessem viver o sonho do esporte.
Iniciativa
Depois de uma visita a São Paulo para participar da Parada do Orgulho LGBTQIAP+, em junho, o superintendente LGBTQIAP + da Secretaria de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas de Goiânia, John Maia, disse que se encantou com a Taça da Diversidade. O campeonato de futebol reuniu mais de 260 atletas filiados à LiGAY em 12 equipes que mesclaram em sua formação os gêneros masculino, feminino, além de times mistos, formados por gays e heterossexuais, e quatro equipes masculinas de transexuais.
“Eu fui a São Paulo e pude presenciar a Taça da Diversidade. Fiquei encantado e percebi que a inclusão começava ali, na troca de experiências, aí, me surgiu a ideia. Convide o Rodrigo [técnico do time], e ele topou. Foi uma conexão muito forte, desde o início. Depois disso, comecei a postar nas redes sociais, e a coisa explodiu. Foram tantas pessoas interessadas que fechamos o grupo com 32 participantes e já existe uma lista de espera”, comemora John.
“Além da troca de experiência, a participação no time demanda muito comprometimento. Não é só um time de futebol, é busca por representatividade. Queremos participar do campeonato nacional de futebol apenas para homens trans, que já está sendo articulado. É algo sério”, destaca o superintendente, que busca patrocínios para a equipe.
Treinos
O técnico da equipe é Rodrigo Fernandes, 28 anos. Presidente e também técnico do time Barbie’s, equipe de futebol gay em Goiânia, ele contou ao Metrópoles que não exitou em aceitar o convite para fazer parte de equipe dos homens trans. “Eu conheci o John pedindo uma van para que o Barbie’s pudesse participar do Campeonato Centro-Oeste de futebol, realizado em Brasília, do qual fomos campeões, e, lá, ele me contou sobre essa ideia. Eu topei logo de cara”, afirma.
“Parece que eu ainda não tinha entendido a dimensão desse projeto e o tamanho da responsabilidade que é treinar esse time, mas ver todas essas pessoas aqui reunidas me deixou emocionado e muito orgulhoso. Estou sem palavras, muito feliz e quero ajudar a alcançar esses meninos a conquistarem todos os espaços possíveis. A oportunidade de estar nesse grupo é muito bacana”, contou o treinador, durante o primeiro treino da equipe.
Alertando sobre possíveis preconceitos, Rodrigo falou com a equipe sobre a hostilidade do ambiente dos treinos, pois o complexo de quadras é bastante frequentado por pessoas cisgêneros. No entanto, ele destaca que, juntos, eles são mais fortes e podem se sentir mais seguros.
“O preconceito no local do campo existe, mas preferimos não retrucar, senão, seria todo dia um escândalo. Nem sempre teremos tempo para nos reunirmos antes do momento do treino, os comentários das pessoas acontecem, mas aprendi ao longo do tempo que não compensa entrar nessas brigas. Dessa forma, a gente se sente mais seguro. É algo muito novo para todos, e o novo assusta”, completa.
Sonho realizado
Atleta da Transliga, o vendedor Eduardo Araújo, 34, afirma que realizou um sonho ao participar do time. Agora, ele quer participar de viagens e competições em todo o mundo. “Esse time é uma grande conquista para todos nós. É um projeto que traz esperança e uma grande realização em relação ao sonho de ser o primeiro time trans do Centro-Oeste, trazendo visibilidade à causa”, ressalta.
Ainda segundo Eduardo, “o movimento é mais do que um time, é um símbolo de luta por representatividade, pela ocupação de espaços, levando o esporte para outras cidades, dando voz à nossa comunidade e aos jovens trans”. Para ele, “ser visto e reconhecido e poder passar adiante as nossas vivências é fundamental”.
“Sou muito grato por essa ideia. Vamos nos fortalecer com essa iniciativa, poderemos ganhar o mundo. Acreditamos no crescimento desse projeto. Será uma luta diária, mas estamos dispostos e preparados”, celebra.
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